Por Cynthia Decloedt
São Paulo, 06/04/2020 – Empresas em recuperação judicial têm obtido pareceres favoráveis a elas por juízes no descumprimento de ritos da lei e pagamentos em meio a dificuldades práticas que surgiram com o isolamento social forçado pela pandemia do novo coronavírus.
Na semana passada, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou uma série de recomendações aos juízes para flexibilizar algumas exigências da lei de recuperação judicial e falências em consequência da limitação de circulação de pessoas e paralisação da atividade econômica na maior parte dos segmentos econômicos. Entre elas, suspender a realização de assembleias gerais de credores presenciais e autorizar a realização de virtuais, prorrogação dos períodos de suspensão das execuções quando assembleias não puderem ter sido realizadas e autorização para apresentação de plano de recuperação modificado quando houver comprovada diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações frente à pandemia.
No entanto, mesmo antes disso, alguns juízes já vinham tomando decisões nesse sentido. No último dia 25, por exemplo, a companhia de fundição Balancis, em recuperação judicial, obteve autorização para não ter cortado os serviços de energia elétrica, água, luz, gás e internet até junho. A companhia teve sua atividade prejudicada pelo Covid. O juiz Willi Lucarelli, de Embu-Guaçu, ainda impôs multa diária de R$ 20 mil a qualquer descumprimento de sua ordem.
O juiz Marcelo Barbosa Sacramone, da 1ª Vara de Falências de São Paulo, entre as mais especializadas em recuperação judicial do País, deu parecer favorável à Marbow Resinas Eirelli para modificação do plano de recuperação e realização de assembleia de credores após o término do isolamento social, “notadamente porque, diante da importância dos credores trabalhistas, não parece haver meio adequado virtualmente para a realização da AGC e acompanhamento efetivo por esses”.
A primeira assembleia de credores virtual da história de recuperação judicial e falências do Brasil foi realizada pelo grupo Odebrecht na semana passada. Embora não tenha havido votação do plano em si, tratou-se de um bom teste, com mais de 100 participantes, incluindo ouvintes, em que o advogado da companhia, Eduardo Munhoz, e credores discutiram e tiraram dúvidas virtualmente sobre ele.
Daniel Amaral, sócio do escritório Dasa Advogados, que representa a Balancis e a Marbow, elogia o movimento do CNJ em direção à flexibilização de regras, mas lembra que são apenas recomendações que podem ou não serem seguidas. Para ele, nem todas as companhias em processo de reestruturação de suas dívidas sob proteção da justiça serão beneficiadas , podendo ficar de fora principalmente aquelas que já enfrentavam dificuldade para organizar assembleias de credores ou que estão com seus planos descumpridos.
Amaral conta que dos 40 processos de recuperação judicial que estão sendo conduzidos em seu escritório, 33 estão tendo seus planos de reestruturação das dívidas modificados e datas de assembleia sendo alteradas.
Para ele é necessário, entretanto, um tratamento mais amplo, para evitar que muitas das recuperações judiciais no País acabem sendo transformadas em falência. “Empresas que estão em recuperação e em reestruturação são economicamente ativas, geram empregos e deveria haver uma política de crédito para elas”, defende o advogado. Ele lembra que, normalmente, essas companhias têm restrição ao crédito e com a paralisação da atividade econômica, ficarão também com restrição de receitas para honrar compromissos de todas as naturezas.
Munhoz, que tem estado à frente dos grandes casos de recuperação judicial de empresas no País, também defende serem necessários incentivos para financiamento de empresas em crise e medidas para simplificar o tratamento de micro e pequenas empresas em dificuldades financeiras.
O advogado demonstra preocupação também com a capacidade de o judiciário receber uma “avalanche” de pedidos de recuperação judicial que ele acredita que chegarão às varas diante da crise econômica prevista na esteira do Covid-19. “A implementação de medidas práticas para que os agentes econômicos possam lidar com esse novo momento é muito importante nesse momento e o governo e o Banco Central podem contribuir nesse sentido”, afirma.
Para tentar evitar o colapso do judiciário, um grupo de advogados e juízes entregou ao Congresso na semana passada sugestão de regime transitório de moratória de até 120 dias para todas as companhias brasileiras atingidas pelo fechamento de suas portas diante do isolamento social na esteira do Covid-19. A ideia é evitar que muitas empresas quebrem, em virtude dessas cobranças, levando a um desarranjo econômico ainda maior, e também que um “tsunami” de ações de cobrança seja despejado no judiciário.
A moratória poderia ser requisitada para 60 dias por qualquer empresa que tenha tido sua atividade prejudicada pelas restrições impostas pelo Covid-19. Posteriormente, poderia pleitear mais 60 dias, tendo de comprovar queda de 30% em seu faturamento em virtude da crise.
O grupo de magistrados é o mesmo que está à frente de um projeto de lei que aguarda votação no Congresso para reforma da lei de recuperação judicial e falências desde o final do ano passado. “Essa é uma norma extraordinária, para enfrentar uma situação extraordinária e sem precedente, portanto, só vale na calamidade. Não é para alterar o nosso sistema, mas uma regulação para tratar desse momento crítico. Estamos com o mercado parado, porque existe uma ordem governamental de quarentena”, diz o Juiz titular da 1ª Vara de Recuperação Judicial e Falências de São Paulo, Daniel Carnio Costa, que participa do grupo.
Segundo ele, é relevante que se evite que empresas fiquem insolventes e que muitas delas encerrem suas atividades, causando perdas de produtos e empregos essenciais. “A inadimplência será generalizada, já que as empresas estão sem faturamento e não terão como pagar as contas no próximo mês”, prevê.